segunda-feira, 1 de abril de 2019

O que o acordo da base de Alcântara representa para o Brasil

Firmado com os EUA, texto precisa de aprovação no Congresso brasileiro.

Os governos brasileiro e americano firmaram em 18 de março de 2019 um acordo sobre o uso comercial da base aérea militar de Alcântara, no Maranhão. A assinatura ocorreu durante a visita oficial do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, onde se encontrou com o presidente Donald Trump. O acordo prevê que empresas que usam tecnologia americana possam lançar seus satélites e foguetes ao espaço a partir de Alcântara, pagando ao Brasil por isso. Em troca, o Brasil dá garantias concretas aos EUA para que não haja espionagem e roubo de equipamentos ou informações, já que o setor aeroespacial abrange muitos sigilos e patentes. Por isso o nome formal do texto é “acordo de salvaguardas tecnológicas”. Para passar a valer, o acordo precisa de aprovação do Congresso Nacional. Ainda não há previsão para que o texto seja analisado pelos deputados e senadores. A tentativa de uma parceria com os americanos no uso da base de Alcântara não é nova — vem desde 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, o Congresso brasileiro barrou o projeto, que nunca entrou em vigor. A parceria dos dois países na base de Alcântara é um tema sensível na política brasileira, pois levanta uma discussão sobre se o Brasil estaria, em parte, abrindo mão da sua soberania nacional ao fazer concessões aos EUA dentro do território brasileiro. Além disso, o acordo gera um debate sobre possíveis ganhos militares, científicos e financeiros para o Brasil.


Principais pontos
ÁREAS RESTRITAS E CONTROLADAS 
Segundo o acordo, no território da base haverá “áreas restritas” (acesso apenas de pessoas, inclusive brasileiros, autorizadas pelo governo dos EUA) e “áreas controladas” (acesso apenas de pessoas autorizadas pelo governo do Brasil, pelo governo dos EUA ou pelo governo de outros países envolvidos na atividade). O espaço dessas áreas deverá ser determinado em conjunto pelos dois governos. Americanos credenciados poderão fazer vistorias sem aviso prévio, mas não terão controle total sobre nenhuma parte da base militar. 
USO DO DINHEIRO
Os ganhos financeiros do Brasil poderão ser revertidos para investimentos no Programa Espacial Brasileiro, com exceção da área de desenvolver lançadores nacionais de satélites. Isso porque a tecnologia de lançar satélites é a mesma de lançar mísseis. Além de o Brasil participar de acordos internacionais que limitam desenvolver tecnologia de mísseis, os EUA não querem que mais um país tenha esse conhecimento. 
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA 
O acordo não prevê a transferência de tecnologia aeroespacial dos EUA para o Brasil. Pode haver exceções se os dois países concordarem mutuamente em casos específicos. 
BARREIRA A ALGUNS PAÍSES 
O acordo barra a participação de equipamentos e profissionais de países que se encaixem em certos critérios, por exemplo, que não participem de um acordo de controle de mísseis ou que sejam vistos pelos EUA ou pelo Brasil como patrocinadores do terrorismo. Assim, Israel, China e Irã — países com tecnologia aeroespacial avançada e dos quais os dois últimos são rivais dos americanos — e suas empresas podem ficar totalmente de fora da base, nos termos atuais. 
MÍSSEIS O acordo não prevê fins militares, como mísseis. Ou seja, pelo texto, a base de Alcântara não passará a ser usada para fins bélicos, nem pelo Brasil nem pelos EUA. O ministro Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) fala em ganhos de pelo menos R$ 3,5 bilhões por ano para o Brasil. Afirma que haverá também desenvolvimento econômico e social para a região, com mais infraestrutura, empregos e segurança. Comunidades quilombolas de Alcântara receiam que haja novas expulsões das suas terras, para ampliar o espaço físico da base. Desde os anos 1980 quilombolas do município são removidos das terras que ocupam historicamente e militam contra a base. Agora, a parceria com os EUA cria uma nova etapa dessa disputa. O acordo não toca nesse assunto. 
A importância da base de Alcântara 
Fundada em 1983, a base de Alcântara existe para o lançamento de foguetes. A localização a torna uma das bases do tipo mais privilegiadas do mundo, sobretudo por conta da proximidade à linha do Equador, o que gera significativa economia de combustível, e por conta da possibilidade de lançar satélites em diferentes trajetórias.
Até hoje, porém, a Força Aérea Brasileira não lançou nenhum satélite para o espaço a partir da base de Alcântara. Cerca de 80% do mercado aeroespacial utiliza equipamento e tecnologia americanos, e a ausência de um acordo com os EUA dificulta operações de grande porte na base brasileira. Atualmente a base faz lançamentos de menor porte — por exemplo, para fins de pesquisa científica e de treinamento. Em 2002, a maioria do Congresso brasileiro considerou que as garantias para os americanos ameaçavam a soberania nacional do Brasil. O texto de agora, menos permissivo com os americanos, começou a ser negociado em maio de 2018, no governo Michel Temer. Em 2003, um acidente na base de Alcântara matou 21 pessoas. O acionamento prematuro de um foguete resultou numa explosão da plataforma de lançamento e também do foguete. Além do custo humano da tragédia, houve prejuízos financeiros e de imagem ao programa espacial brasileiro.

Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/03/29/O-que-o-acordo-da-base-de-Alc%C3%A2ntara-representa-para-o-Brasil

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